Cá vai mais uma a que não pude resistir.
O que me lembra que, se eu começo a publicar as poesias de
Fernando Pessoa porque não posso resistir-lhes, mais vale assumir já que vem aí o livro todo!
Este é de Alberto Caeiro
O Amor é uma Companhia
O amor é uma compania.
Já não sei andar só pelos camminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.
Foto: Fernando Pessoa em 1914, autoria indeterminada
A falência do prazer e do amor XXI
(exc.)
Amo como o amor ama.
Não sei razão pra amar-te mais que amar-te.
Que queres que te diga mais que te amo,
Se o que quero dizer-te é que te amo?
.....................................................................
Quando te falo, dói-me que respondas
Ao que te digo e não ao meu amor.
.....................................................................
Ah! não perguntes nada; antes me fala
De tal maneira, que, se eu fora surda,
Te ouvisse todo com o coração.
Se te vejo não sei quem sou: eu amo.
Se me faltas [...]
... Mas tu fazes, amor, por me faltares
………………………………………………….
E, se me buscas, é como se eu só fosse
Alguém pra te falar de quem tu amas.
.....................................................................
Quando te vi amei-te já muito antes:
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há cousa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que o não fosse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro.
.....................................................................
E eu soube-o só depois, quando te vi,
E tive para mim melhor sentido,
E o meu passado foi como uma 'strada
Iluminada pela frente, quando
O carro com lanternas vira a curva
Do caminho e já a noite é toda humana.
.....................................................................
Quando eu era pequena, sinto que eu
Amava-te já longe, mas de longe...
.....................................................................
Fernando Pessoa
Pintura de Fernando Pessoa por
Almada NegreirosCara Alexandra, obrigada pela tua coragem. Enquanto não aparece mais nenhum comentário que faça companhia ao teu, faço-te a vontade.
Vou publicar umas poesias, em posts diferentes, que, não sendo minhas, sinto profundamente...
Decididamente, um dia deixo-me de coisas e tento eu umas letras...
Ausência
Num deserto sem água
Numa noite sem Lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua
Sophia de Mello Breyner Andresen
Por falar na nossa capacidade de expressar o que nos vai na alma, continuo a concordar que nada melhor para isso do que os POETAS.
Assim, aqui vai um singelo contributo meu para que se leia/sinta poesia portuguesa...
Eu adoro esta, pelo que diz e pelo que não chega ao despudor de dizer!
Ternura
David Mourão Ferreira
Desvio dos teus ombros o lençol
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do Sol,
quando depois do Sol não vem mais nada...
Olho a roupa no chão: que tempestade!
há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
em que uma tempestade sobreveio...
Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...
Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!
desenho de Francisco Simões in Colóquio|Letras: http://www.coloquio.gulbenkian.pt/historia/david_mourao_ferreira.htm
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